TEXTOS

Nesta seção estão os textos  de Dona Assunção Gonçalves publicados no jornal eletrônico Juaonline, editado por Daniel Walker
          Padre Cícero saiu para uma inauguração sem botar perfume
Quando o jornal Juaonline publicou a notícia sobre a hospedagem dos marinheiros que vieram participar da solenidade inauguração da Praça almirante Alexandrino  me fez lembrar um fato curioso do qual tive participação ativa. Eu presenciei aquele inesquecível acontecimento e a ele compareci numa circunstância toda especial. Padre Cícero saiu apressadamente para a festa, e a beata Mocinha, sua experiente governanta e tesoureira, pediu que eu e Nanô, uma mocinha que morava na casa de José Xavier de Oliveira (Dedé), corrêssemos até à Praça a ser inaugurada, conduzindo um vidro de perfume para derramar umas gotinhas na batina do Padre Cícero, pois ele esquecera de fazê-lo. A tarefa não foi nada fácil, pois a multidão era grande demais. Mas mesmo assim nós conseguimos passar por entre os presentes e desempenhar a missão da qual nos encarregou a beata Mocinha (Joana Tertulina de Jesus). 

A mulher que beijou o trem e se queimou
Eu assisti a chegado do primeiro trem a Juazeiro, em 7.11.1926. Uma festa inesquecível e com a presença do Padre Cícero. Foi ele quem reivindicou a linha ferroviária para nossa cidade. No dia da festa dois fatos me chamaram atenção: o primeiro foi que uma mulher entusiasmada com a locomotiva, que todos chamavam popularmente de Santo Lastro, tentou beijá-la e saiu com o rosto queimado, sendo atendida pelo farmacêutico José Geraldo da Cruz; o outro fato foi que Padre Cícero olhando para o grande milharal acima da estação profetizou: futuramente para aquele lado haverá muitos cemitérios. Quem sabe ele não estaria se referindo aos cemitérios que hoje existem por aqueles lados, como o São João Batista, o da Anjo da Guarda e o Parque das Flores?

A força do Padre Cícero
Quando Padre Cícero se propôs a construir a igreja do Horto ele se deparou logo com um grande problema: a falta dágua no local! A solução foi construir um tanque (mostrado na seta vermelha) e pedir que a população ajudasse a mantê-lo sempre com água. Ele pediu e a população logo atendeu. Diariamente as pessoas subiam à serra levando água em lata, garrafa, balde para que não faltasse água no tanque, pois sem ela a construção não poderia continuar. Eu fui testemunha ocular desse acontecimento que mostra a força que o Padre Cícero exercia sobre seus amigos. Nunca um pedido seu deixou de ser atendido. 

Lembrança do Cine Iracema
No Cine Iracema, de Mestre Pelúsio, localizado na Rua Padre Cícero, em frente a minha casa, eu assisti a muitos filmes. Era filme mudo, mas mesmo assim a gente achava uma maravilha. Toda noite, às 19 h, a sociedade juazeirense se deslocava para o prédio e se deleitava com as músicas que eram tocadas pelos músicos antes de o filme começar. Às vezes os bancos (não havia cadeiras) ficavam tão lotados que eu assistia aos filmes montada numa escada encostada no muro da casa vizinha.  Hoje o prédio não existe mais, foi demolido e em seu lugar hoje está uma garagem. Como era bom no Juazeiro Antigo! 

Faltou pano preto para a missa do Padre Cícero
Quando Padre Cícero morreu muita gente já foi ao seu enterro vestindo roupa preta em sinal de luto. Mas no dia de sua missa do sétimo dia a multidão que compareceu à igreja vestindo luto foi extremamente grande. Esgotou-se em poucas horas todo o estoque de tecido de cor  preta existentes nas lojas do Cariri e como não foi possível chegar nova remessa de Fortaleza, muitas pessoas adotaram uma solução interessante e que deu certo. Compraram tecido de outra cor e tingiram de preto, usando um preparado feito com semente de jucá. As pessoas pilavam a vagem de jucá e faziam um chá que depois era misturado com lama do rio Salgadinho e aí a roupa era imersa por algum tempo. O resultado era um tecido de cor escura que servia perfeitamente para se confeccionar roupa de luto. Só assim foi possível tanta gente comparecer à missa do sétimo dia da morte de Padre Cícero vestindo roupa preta. Como Padre Cícero pediu em seu testamente que no dia da sua morte em fosse celebrada uma missa em sufrágio da sua alma, até hoje esse costume é respeitado e muita gente vai à missa vestindo roupa preta ou branca (também cor usada como luto). No começo a roupa preta era mesmo em sinal de luto; depois a roupa preta passou a ser usada como compromisso assumido por causa de graça alcançada. As pessoas fazem promessa para ir à missa e passar o resto do dia com roupa preta, quando o pedido é atendido. E pelo visto o costume pegou e aumenta a cada missa. Quem visita Juazeiro no dia 20 de cada mês, fica admirado de ver tanta gente andando nas ruas vestindo preto. 

A Preguiça do Padre Cícero
Padre Cícero recebia muitos animais de presente. Alguns eram vivos e outros já vinham mortos, empalhados. Existem ainda vários exemplares desses animais empalhados em exposição no seu museu da Rua São José, como a cobra sucuri, que é uma grande atração. Certa vez, um romeiro trouxe uma preguiça para o Padre Cícero, mas como ele não podia acomodar o bicho em sua casa entregou-o aos cuidados do seu amigo Abdias. Este muito contente com a deferência preparou um ambiente digno para o animal. Colocou uns galhos de árvores num dos aposentos de sua casa de artigos religiosos, localizada no antigo Beco de Catarina, e a partir de então a preguiça do Padre Cícero virou uma atração na cidade. Diariamente era grande o número de pessoas curiosas que vinham conhecer e brincar com a preguiça. Eu muitas vezes fugia da escola para ir à loja de seu Abdias para brincar com a preguiça. Ela era uma beleza de animal. Dócil, lenta, andava agarrando-se aos galhos e fixava a gente com um olhar tão carinhoso que rapidamente nos cativava. Os romeiros, então, ficavam maravilhados com a preguiça do Padre Cícero. Não me lembro que fim ela teve. 



Nenhum comentário:

Postar um comentário